sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Own a typewriter


Eu costumava ir para o trabalho do meu pai, quando acabava as aulas. Estava eu no sexto ano. Ia escrever coisas na máquina de escrever que ele tinha no escritório para ficar entretida até que se fizessem horas de ele sair do trabalho e de irmos para casa. A sensação de ter algo em que é suposto escrever-se era mais ou menos a mesma de hoje, talvez menos. Uma quase euforia, a euforia da escolha: "e agora o que é que eu vou escrever?". Como se um mundo de possibilidades se estivesse a abrir à minha frente. Comecei por escrever pequenas coisas acerca da maneira como me sentia, do que tinha feito na escola, das amigas que por lá tinha. Uns tempos mais tarde, acabei a escrever um jornal com notícias sobre os brinquedos do meu quarto e as coisas que por lá aconteceriam enquanto eu estava na escola.Entretanto, a minha mãe também começou a trabalhar num escritório, mas a máquina de escrever que ela lá tinha era "electrónica" e muito moderna, cheia de funcionalidades interessantes. Já era maiorzita e por lá escrevi muita coisa, já coisas mais elaboradas, como reflexões que, supostamente, deveriam ser adicionadas ao diário ou, pelo menos, que serviam de base para posterior escrita. Com estas e outras acabei verdadeiramente viciada, e bem me parece que não me vá curar na vida toda. Ter algo com que escrever e poder fazê-lo à vontade é uma euforia que me tranquiliza. Ainda hoje é assim e parece que isso até tem sido crescente ao longo da minha vida. Escrever acalma-me. É das formas mais eficazes de conseguir tranquilizar-me que conheço. Mais do que respirações ou qualquer outra estratégia do género. 

Algures no meio disto tudo, os meus pais acabaram a comprar-me uma máquina de escrever para casa. Ainda por lá deve andar, quero muito dá-la a conhecer aos meus filhos. É uma verdadeira relíquia! Não era electrónica, era até bastante rudimentar, mas era tão fabulosa. E eu sugava as prendas que me davam até ao tutano. Explorava-lhes todas as possibilidades. Eu achava sempre brincadeiras e usos para as coisas, por mais desinteressantes que elas fossem. Mas a minha mãe sabia sempre qual a coisa certa para me oferecer. Apesar de ter muitos brinquedos, não era miúda de deixar as coisas de parte, sem uso. Arranjava sempre brincadeiras em que andava tudo ao barulho. 

O projecto do jornal era um grande empreendimento, creio que ainda consegui publicar o seu primeiro número! Acho que se chamava o "Jornal do Fim da Macacada", ou o "Jornal do País dos Brinquedos", ou algo do género. Mas nunca mais me atrevi a fazer muito mais, pois aquilo requeria uma trabalheira imensa e eu tinha tanto mais que explorar lá por casa. Tinha bonecas de papel a quem tinha de fazer vestidos, tinha de fazer enfeites para a árvore de Natal dos meus bonecos que estavam na garagem, tinha de fazer fichas para a escola dos meus bonecos, eu sei lá. Como é que eu havia de querer crescer, com tanto que havia para fazer no mundo da infância? Era suposto, como adolescente, deixar tudo isto para trás? ... A vida pode ser mesmo parva pelas coisas que nos exige! Ou talvez sejam apenas as pessoas!